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11/05/2017


Essa é uma narrativa sobre "não ser filho da puta" 

 Com toda a certeza do mundo eu já comentei sobre nossas escolhas diárias nesse blog, juro que vou tentar não ser redundante quanto a esse tema, porém realmente senti a necessidade de escrever sobre isso.

 Sinto que não exista lugar melhor para me expressar do que esse, mesmo não compreendendo por completo minhas motivações para dar continuidade a tal atividade "literária", continuo seguindo com minhas narrativas, postáveis ou não, que muitas vezes passam despercebidas aos olhos de muitos, de fato eu não os culpo, é tudo sobre escolhas.

A pessoa estudou, trabalhou, enfrentou trânsito, fez um milhão de coisas durante o dia, talvez mais de um milhão, dependendo da rotina dela, então como eu, no auge do meu achismo, posso esperar que alguém escolha ler algo que eu escrevo? Isso me soa até estupido agora, sentado na minha cadeira de frente ao teclado, só consigo pensar nas questões envolvendo a escrita como uma escolha terapêutica, minha claramente. Aqui, nesse blog perdido nos confins da internet onde ninguém liga para nada, gosto de imaginar algo como um templo, aonde posso ir e vir, onde o físico e o metafísico convidam um ao outro para conversar sobre as adversidades que ambos enfrentam, aqui nesse local me sinto conectado com algo maior que eu, ou melhor, meu "eu" se perde, se desfaz nesses linhas. Desculpe, é apenas uma escolha minha imaginar esse diminuto blog de forma tão majestosa, e antes que essa introdução fique mais longa e implacável aos não amantes da leitura sem fins pré estabelecidos, essa é uma postagem sobre uma senhora que quase não foi socorrida por um filho da puta.  





 Aquele painel com números vermelhos é interessante demais né? Poucas coisas chamam tanto a atenção do ser humano quanto um daqueles, o barulho é mais para as pessoas despreocupadas com o tempo que estão perdendo ali, afinal aquele som passa despercebido, muito menos se faz necessário, diante o sentimento que a "perca de tempo duradoura" traz consigo, os olhos ficam  vidrados naqueles números, olhar esse que alimenta a esperança de um atendimento mais veloz, que por fim acaba não ocorrendo, inseridos nesse contexto de muita tensão e pouca ação estavam: eu, minha mãe e mais umas 12 pessoas que não se deixaram abater, pelo frio ou pela chuva, em busca de uma consulta médica.

 Não sei ao certo quanto tempo tinha se passado, mas já tinha iniciando a leitura do terceiro volume do meu mangá, o pouco gosto de café que ainda estava em minha boca se foi quase completamente, de fato eu não queria estar ali, toda aquela dinâmica "quase hospitalar" incomodava um pouco, gente tentando provar que estava mais fodida que a outra, o programa da senhora e seu papagaio, os bancos bem coladinhos um com o outro, aquele consultório em especifico parecia um ônibus lotado que não ia a lugar nenhum. que exemplo horrível

 De qualquer forma chegou a senha da minha mãe, fiquei muito feliz, estávamos mais próximos de ir embora do que nunca, quando fui abandonado nos bancos da recepção do consultório uma conversa chamou minha atenção, provavelmente a de todos os presentes ali, quase mais que o painel das senhas, era uma senhora que reclamava com a recepcionista:

 - "Fia" como eu vou tomar esses remédios todos sem um copo? - Questionou a senhora.

- Não sei minha senhora, nós não temos copos aqui - Respondeu a recepcionista com aquele tom de voz que diz claramente, isso não é problema meu. 

 A conversa depois dai ficou com aquele teor de papo de maluco, todo mundo sabe quando uma conversa chega nesse ponto, uma repetindo a frase da outra, reclamações sem muito sentido, sem uma finalidade minimamente pensada, resmungos incompreensíveis e claramente aquele silêncio constrangedor.

 Toda essa breve situação, porcamente narrada no paragrafo anterior, gerou uma cena que me comoveu, a senhora já não estava de frente para o balcão, na verdade estava de frente ao bebedouro, estudando de forma nítida maneiras de ingerir seus remédios sem a ajuda de um copo plástico, claro que eu não podia ficar parado vendo aquilo, chamei a atenção dela com um aceno de mão  e disse em alto e bom som:

 - Senhora tem copos plásticos lá na padaria na esquina. - Me sentei assim que terminei de dizer esse absurdo.

 Eu realmente choquei a todos os presentes ali, até mesmo a recepcionista com sua atitude de alface para com a maioria das situações me olhou feio, mas nenhuma dessas pessoas chamou mais a minha atenção que a própria senhora a qual eu sugeri uma caminhada na chuva e no frio, em busca de um copo plástico. Ela me olhava não somente com os olhos, mas com a alma, pude de forma momentânea ler sua expressão facial, ela naquele momento desistira mais uma vez da humanidade, ninguém estava disposto a fazer nada por ela, e o único que se manisfestou ainda sugeriu para ela ir tomar chuva.

 Ninguém disse nada durante os segundos seguintes, provavelmente todos estavam muito chocados naquele momento, eu podia sentir isso de algum jeito que nem adianta questionar, quem entra nesse tipo de situação com frequência sabe do que estou falando, porém, muito pelo contrário dos presentes ali, eu estava em paz, lendo meu mangá, crente, juro, eu realmente botei muita fé que eu tinha dado a solução de todos os problemas daquela senhora desconhecida, porém algo chamou minha atenção dentro de mim, era algo parecido com uma "voz".

 Essa "voz" no caso estava muito baixa, distante, mas eu sabia que ela vinha de alguma parte da minha mente SIM EU SOU LOUCO ASSIM  e claramente me senti na obrigação de entender o que tal "voz" tinha a me dizer, depois de me concentrar brevemente, pude ouvir em claro e bom som o que o Marcel interior tinha a dizer para o Marcel exterior:


  "VÁ AJUDAR AQUELA SENHORA SEU FILHO DA PUTA"


Quando tirei meus olhos do mangá percebi que a senhora ainda estava de frente ao bebedouro, analisando fria a calculadamente seus movimentos, nesse olhar reparei em sua idade avançada, como estava em pé com dificuldade, no respirar lento, pensei na minha própria vó, me levantei, para chocar todos novamente e disse:


 - Senhora eu vou lá buscar um copo pra você e já volto.


 Assim que retornei vi que todos me olhavam, com um orgulho estranho estampado em suas faces, como se algum deles tivesse participado da minha caminhada até a padaria, tivesse pedido o copo, mas enfim, nem dei bola pra eles e entreguei o copo pra senhora que me agradeceu muito pacificamente e disse:

- Eu julguei você mocinho, me perdoe, que Deus te abençoe.

Voltei para minha cadeira e para a leitura pensando no que eu acabara de fazer,  coincidência ou não, a parte do mangá que eu tinha parado falava sobre como o amor ao próximo poderia moldar a realidade dos personagens daquele contexto para melhor.




 Enfim esse post chegou ao fim e realmente espero que esse texto tenho despertado em você algum tipo de sentimento bom, que anda em falta na galera hoje em dia, espero também que quando você passar por situações similares, você possa ouvir essa voz interior dizendo para você não ser um filho da puta, sério ouça essa voz, por favor, o planeta como um todo agradece.


Ass: M.O.P.

ps: uma voz que vem de dentro da sua mente pode ser ouvida, ou ela é só absorvida por você?
ps²: antes de ir embora eu choquei as pessoas novamente comemorando nossa saída de forma pouco madura e muito questionável, minha mãe deve lembrar bem da cena.
ps³: esse post era pra sair em abril se acredita?

   

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